Engenheiro põe Brasil no mapa das turbinas


Várias oportunidades de carreira passaram diante do engenheiro maranhense Alberto Carlos Pereira Filho desde que terminou o segundo grau em São Luís: professor de física de cursinhos, oficial da Força Aérea, funcionário da Prefeitura de São José dos Campos, editor de livros didáticos, fabricante de quadros de bicicleta. Mas ele só concluiu que estava no rumo certo quando sua atividade reuniu empreendedorismo, liderança, pesquisa e inovação: com sua empresa, a Polaris, ele colocou o Brasil na lista dos poucos países que dominam a tecnologia de turbinas a gás, afirma Homero Maciel, que foi seu professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Agora, Pereira Filho está prestes a colocar o país na lista dos pouquíssimos que produzem turbinas aeronáuticas. Além das turbinas, a Polaris prepara o lançamento de dois reatores que operam com temperaturas elevadíssimas: um para lixo industrial, capaz de reduzir toneladas de resíduos a uma inerte pedra marrom; e outro, com 4 m de altura, que faz “redução” de minérios (remoção do oxigênio) como os altos fornos das siderúrgicas, mas usando 12 tochas de plasma quente no lugar de carvão. Graças a esses produtos, a empresa está pronta para o primeiro grande contrato, que deve acontecer este ano, e multiplicará por sete o faturamento obtido em 2013, da ordem de R$ 3 milhões.

Alberto Filho é o presidente e também o líder da equipe, um perfil que ele classifica de empreendedor, líder e inovador. Seu amigo e ex-professor Pedro Lacava acha que ele se diferencia dos demais empresários por “reconhecer que a academia no Brasil têm um conhecimento acumulado grande e fértil e que é possível trazer esse conhecimento para gerar produtos de alto valor tecnológico, que no fundo é o que diferencia uma nação desenvolvida das em desenvolvimento”.

“Não gosto muito da palavra empreendedor, mas no Brasil estamos precisando do empreendedor inovador, aquele que vai provocar mudanças, vai revolucionar o mercado, gente como Michael Dell, Steve Jobs ou Bill Gates”, exemplifica o presidente da Polaris.

Contando com apenas 15 pessoas e há dez anos desenvolvendo tecnologias dominadas por poucos países, a empresa dificilmente se transformará num modelo de administração como as grandes corporações, mas é um paraíso para profissionais apaixonados por inovação em engenharia. “Estamos vivendo uma era febril de inovação tecnológica”, afirma Alberto Filho. Embora trabalhe com coisas tão complicadas que os americanos chamam de “rocket science”, ele não carrega notebook ou tablet, pasta, calculadora ou mochila. Apenas um celular, no qual, em vez de fotos da família, há imagens de peças e protótipos concluídos ou em andamento. Em compensação, nas salas por onde ele e os outros sete engenheiros da Polaris se encontram, sobram papéis cheios de rabiscos, esquemas, anotações.

A empresa está instalada em dois endereços: no Parque Tecnológico da Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, onde ocupa uma sala no prédio da reitoria, ao lado de várias outras empresas de base tecnológica; e em Jacareí (SP), um galpão onde estão sendo montadas as turbinas e os outros equipamentos. “Na minha empresa eu não tenho escrivaninha, uma sala. Aqui só temos esta sala de reunião e lá no galpão um mezanino aberto onde está toda a equipe, trabalhando numa mesa grande como esta.”

A simplicidade contrasta com o volume de conhecimento e com as competências que a empresa reúne – no desenvolvimento de seus produtos, ela utiliza várias das tecnologias que movem a indústria aeroespacial e em algumas soluções acrescenta tecnologia de plasma térmico, um recurso que ainda não tem 15 anos de utilização.

Quarto estado da matéria, o plasma é uma das paixões do fundador da Polaris, desde que foi selecionado para o curso de mestrado no ITA. Não é por outra razão que aplicações de plasma estão presentes em todos os desenvolvimentos da Polaris – assunto tão complexo que exigiu dois orientadores para o curso de doutorado, que ele não chegou a concluir. Formado em engenharia aeronáutica na turma de 1983, a mesma de Frederico Curado, presidente da Embraer, Alberto Filho começou a fazer pesquisas a partir do segundo ano, ao conquistar uma bolsa do CNPq: “Isso é raro entre os alunos do ITA, porque o curso é muito puxado. Mas eu não me importava muito com as notas, e ia dando atenção aos meus trabalhos de pesquisa. Não que fosse um aluno muito bom – e você sabe que no ITA não tem aluno ruim. Ninguém pode ter nota inferior a 6,5. As minhas estavam sempre por ali, entre as médias e as mínimas”, conta.

Ao final do curso, a primeira oportunidade profissional que apareceu foi uma vaga no corpo de engenheiros militares do IAE, o Instituto de Atividades Espaciais, em São José dos Campos, onde poderia continuar suas pesquisas. “Meu sonho era trabalhar com foguetes, com propulsão líquida. Quando me formei, tinha feito todas as disciplinas de propulsão. A última nosso ‘mestre’ disse que não ia poder ministrar porque só havia dois candidatos e o mínimo eram três. Aí falei com um amigo meu, que gosta muito de tecnologia, ele se inscreveu e o curso foi dado: era o último estágio da propulsão”, relembra.

No IAE, no entanto, antes que pudesse pesquisar propulsão líquida, foi convocado para a equipe que desenvolveu uma bomba inteligente para a Força Aérea: “Como faltava um engenheiro aeronáutico no departamento de desenvolvimento de armamentos, fui para lá com a promessa de que depois poderia ir para propulsão, mas o fato é que não havia mesmo interesse nesse tema, e hoje o Brasil sofre com isso, porque não se põe satélite no espaço sem propulsão líquida. A guiagem lá em cima tem de ser com propulsão líquida. E só havia interesse em propulsão sólida”, comenta.

Alberto Filho não tem saudades da bomba lança-granadas cujo desenvolvimento liderou nessa época, e dá “graças a Deus” de ter sido proibida, “porque aquilo tem um efeito devastador. É uma bomba cheia de granadinhas e ela saía da aeronave, abria o casco e liberava aquelas granadas formando um tapete explosivo ao tocarem o chão. Se uma batesse numa placa de aço, fazia uma perfuração de 27cm de profundidade. Isso é uma tecnologia que nós desenvolvemos e que o IAE não possuía. A tecnologia anterior perfurava 14 centímetros e nós conseguimos 27: isso é um plasma e uma concentração de ondas de choque que dá uma temperatura entre 5 mil e 10 mil graus Celsius e uma pressão de quase 5 mil atmosferas. Quando eu estudava esse assunto, um tanque russo tinha a capacidade de blindagem equivalente a uma placa de aço de 60 centímetros. Então, uma arma dessas, mesmo recente, já era obsoleta para um tanque russo. Para um tanque desses você precisa de um míssil com 100, 200 milímetros de diâmetro, e aí sim, você perfura o tanque – um míssil consegue 1,2 m de perfuração em aço.”

Esse desenvolvimento, no entanto, permitiu que o presidente da Polaris fizesse as primeiras experiências de parceria com empresas privadas, já que foi autorizado pelo então Ministério da Aeronáutica a buscar uma empresa brasileira que apoiasse a pesquisa da bomba.

Ao fim de cinco anos na Força Aérea, Alberto Filho pediu baixa e decidiu voltar ao Maranhão para começar sua carreira de empresário: “Eu queria fazer carros elétricos – tenho um protótipo de carro elétrico -, mas é muito complicado você investir nessa área e eu não fui adiante. Em seguida, numa viagem à Europa, fui a uma feira de bicicletas e me apaixonei pelas bicicletas. Falei: ‘gente, vou fazer isso no Maranhão’. Consegui um investidor interessado naquilo e chegamos a fabricar 300 mil quadros de bicicletas para vender aos atacadistas. Muitos diziam que as peças eram feitas em Taiwan e na China. Por que desisti? Num primeiro momento meu investidor quis ser dono da empresa e comprou minha parte. Numa segunda etapa, resolvi fazer os quadros de alumínio, e ele era contra, porque dizia ‘se a Caloi não faz e a Monark não faz é você que vai fazer?’ É assim que o brasileiro raciocina. Depois, houve uma crise: a Monark fechou, a Caloi encolheu e eu também fechei.”

Mas naquele momento, em 1999, seu DNA de empreendedor já havia emergido: “Voltei para São José dos Campos e a primeira coisa que fiz foi abrir a Polaris, mesmo sem saber direito o que ela iria fazer. Meus colegas da Embraer queriam que eu fosse para lá, insistiram, mas eu disse que não tinha o perfil. Eu tinha uma meta, um sonho: fazer um laboratório de pesquisa privado, e ganhar dinheiro com isso, coisa absurda de se pensar no Brasil. Eu achava que era possível, mas para isso eu precisava de formação. Por isso decidi entrar para o mestrado do ITA”, relembra.

Ao mesmo tempo, conseguiu uma vaga na área de planejamento da prefeitura, onde desenvolveu o projeto de uma escola experimental, com metologia nos moldes da utilizada pelo ITA. “No mestrado, o que eu queria era desenvolver aplicações de plasma quente, mas o ITA não tinha trabalhos nessa área, só em plasma frio”, diz ele. Por essa razão foi várias vezes ao IPT e à USP com um de seus orientadores, Homero Maciel, uma delas para um encontro sobre inovação e pesquisa. “Aí o meu destino mudou. Eu tinha o projeto de uma máquina de energia com fonte de plasma – um reator a plasma impulsionando uma turbina, e no evento um dos participantes era gerente na área de gás e energia da Petrobras, em busca de projetos. Ele perguntou se eu tinha algum, me convidou para apresentá-lo a uma plateia de 18 engenheiros no Centro de Pesquisas da empresa no Rio e, semanas depois, durante aquela apresentação, um dos diretores disse que o plasma não interessava, mas perguntou se faríamos uma turbina para eles. Fazia uns 15 anos que eu não ouvia nem falar em turbina, mas a resposta que eu dei foi ‘esse é o nosso forte’. E aí tudo começou: eles decidiram investir no projeto de uma turbina.”

Desde o primeiro projeto, em 2003, a equipe de especialistas reunida por Alberto Filho na Polaris não parou de estudar e desenvolver turbinas e suas partes, e a dominar áreas extremamente complexas como vibração, controles eletrônicos e câmara de combustão.

Depois do protótipo da Petrobras, entregue em 2004, no entanto, seguiram-se dois anos sem projetos, com muito pouco dinheiro, até que em 2006 a Vale também contratou a equipe para o desenvolvimento de outra turbina. O projeto durou cerca de 18 meses e ampliou o conhecimento da equipe o suficiente para que obtivesse um financiamento da Finep da ordem de R$ 4 milhões, para um ousadíssimo projeto de dois anos de trabalho: o de uma turbina aeronáutica, absolutamente inovadora em tecnologia de compressão, leve e extremamente compacta.

Ainda não é uma turbina para aviões – vai servir para mísseis e veículos não tripulados. Mas Alberto Filho admite que é o primeiro passo nessa direção.

Fonte: Valor

Especial: Pequenas e Médias Empresas